13/01/2007

Dispersão ideológica e dominação de classes

Enviado por: Avanilson A. Araújo
Advogado Mestrando em Ciências Sociais pela UEL – Univ. Estadual de Londrinae-mail:
avanilson@hotmail.com

Dentro da estrutura de uma civilização queescolheu limitar a liberdade em nome da segurança,mais ordem significa mais mal estar.(Bauman)
É recorrente na prática discursiva ideológica dominante, em especial, aquela utilizada pela chamada “grande imprensa” o uso de termos dispersivos que tratam determinadas questões desassociadas da formação social concreta, com o propósito de desviar e confundir a consciência dos trabalhadores.Assim, a não tão recente, mas reticente retórica em torno da segurança pública, sem prejuízo de outras e importantes avaliações de caráter sociológico (numa perspectiva crítica), fazem parte de uma atuação articulada entre os diversos aparelhos do Estado (veja-se Lênin, Poulantzas) no processo de manutenção da lógica de dominação de classes, inerente a toda a sociedade dividida em classes antagônicas.Obviamente, várias abordagens sobre este tema são importantes, entendendo-se a complexidade que suscita o tema da violência urbana e a própria discussão a respeito do conceito de classes sociais na conjuntura brasileira, no entanto, não se pode perder de vista um importante foco desta análise, a utilização do discurso ideológico por mais segurança (mais polícia, maior orçamento para a área de segurança, mais repressão) para cumprir dois papéis fundamentais:a) O primeiro deles de dispersar a discussão/problematização pelas classes dominadas, dos efetivos problemas de uma sociedade cindida em classes diferentes, ou seja, a existência de possuidores dos meios de produção coletiva e a dos não possuidores (vendedores da força de trabalho) para, a partir daí, articular uma reação ao processo de dominação de classes;b) O segundo, de reforçar o aprimoramento do aparelho repressivo do Estado (polícia, forças especiais, forças armadas, grupos especializados, etc.) para a contenção efetiva das classes antagônicas, especialmente, dos chamados “não-sociáveis”, “subversivos”, ou “fora da ordem”, etc.E esses papéis são perfeitamente perceptíveis quando se verifica a constante divulgação midiática, reproduzida por agentes políticos que ocupam cargos no Estado, da necessidade do endurecimento penal (ou seja, recrudescimento do aparelho repressivo do Estado) para a contenção da criminalidade, como se o conceito e as práticas da atual criminalidade e do fenômeno da violência urbana não tivessem nenhuma conexão com a realidade concreta em que se inserem, ou seja, uma sociedade capitalista que acentua cada vez mais o grau de diferenças de classe.O grau destas diferenças se apresenta de várias formas, seja através do aumento da taxa de desemprego, da limitação ou retirada dos já “parcos” direitos sociais, do encarceramento da juventude das classes populares, ao mesmo tempo, em que o Estado, atendendo interesses específicos das classes dominantes, direciona gastos públicos expressivos com o aprimoramento dos aparelhos repressivos do Estado, em especial, o fenômeno mais recente que é a imbricação maior entre polícia e forças armadas, inclusive com a incorporação de métodos exclusivamente militares de contenção da “violência” urbana, como na criação da chamada “Força Nacional de Segurança Pública”, ou a utilização de verdadeiros equipamentos de uso militar, como o chamado “caveirão”, para a contenção dos “distúrbios” das classes populares, a exemplo do que ocorre recentemente no Rio de Janeiro.A respeito desta articulação, ainda que soe aparentemente contraditória, entre os aparelhos repressivos e ideológicos do Estado, vale destacar a seguinte afirmação de Poulantzas:[...] 2. A condição para a existência e funcionamento dessas instituições ou aparelhos ideológicos, é, de certa forma, o próprio aparelho repressivo do Estado. (...) é verdade também que esse aparelho repressivo está sempre presente, defendendo-os e sancionando-os, e finalmente, que a sua ação é determinada pela ação do próprio aparelho repressivo do Estado.3. Embora esses aparelhos ideológicos possuam uma autonomia notável, entre si, e em relação ao aparelho repressivo do Estado, sem dúvida pertencem ao mesmo sistema do aparelho repressivo. (Poulantzas, 1982: 231)Dispersar ideologicamente os trabalhadores de pensarem em seus problemas de classe e reprimir os trabalhadores não enquadrados pela exclusão decorrente da própria forma de organização da sociedade capitalista, eis a nova (ou renovada) lógica de manutenção do processo de contenção para a garantia da reprodução da dominação de classes.A segurança pública é então apresentada como o mais grave problema da sociedade brasileira, discurso eficaz que contribui, inclusive, para a legitimação que os próprios trabalhadores incutem, para justificar e aplaudir algumas ações policiais que limitam os seus próprios direitos fundamentais, como até mesmo aquele de não ser tocado no próprio corpo sem autorização ou sem sentir prazer com isto, como nas ações ilegais de blitzes policiais.Assim, o discurso reiteradamente repetido de reforço policial serve para que os trabalhadores preocupem-se mais com o número de assaltos a residências luxuosas ou seqüestros de empresários, deixando de lado questões como suas condições de trabalho, seu processo de exploração cotidiana, a falta de moradia adequada, a falta de saúde pública de qualidade e todas as demais situações que não os afastam de sua condição de classe: o fato de venderem sua força de trabalho.Infelizmente, o efeito concreto na vida dos trabalhadores não é somente aquele da dispersão ideológica que o afasta de seus reais e concretos problemas de classe, mas ainda e talvez mais grave, aquele de ter de enfrentar de forma organizada e coletiva, um Estado cada vez mais reforçado, inclusive, do ponto de vista militar e repressivo.

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